sábado, 7 de março de 2020

DIG FERREIRA

PROCESSOS, AÇÕES E OBRAS DO ARTISTA EM TECNO BARCA III


PINTURAS CORPORAIS


Comunidade Carneiro




Foto: Luan Macêdo


Comunidade Arraiol





Comunidade Vila Progresso





Foto: Thales Lima


As mãos que seguram o papel, mas que ao mesmo tempo se tornam paleta para as tintas, nos momentos em que necessito de apoio quando estou desenhando nas ruas. Após algumas experiências, começo a enxergar aquela tinta nas mãos não mais como sujeira, mas como uma pintura. O desdobramento de outra pintura, que dá vida e inspiração para outra manifestação artística, a pintura corporal. Lembro-me que, com o passar das experiências, fui avançado com a pintura para os braços, pernas, tronco e face completa. Sinto que pintar o corpo é alegria, divertimento e proteção. Pintar o corpo pode te levar a lugares jamais sentidos antes, desconfigurando e reconfigurando a própria imagem, te fazendo sentir e também ser outras coisas além de Homem. O não humano, muitas vezes visto como demônio, bicho, máquina, fantasma, guerreiro ou assombração. Pinturas que trazem proteção, força e verdade, a lama do Rio Amazonas espalhada no corpo que desconfigura a imagem humana me fazendo sentir e me reconectando com a floresta, a tinta metálica que me faz sentir ter braços mais pesados e robóticos. No lugar de tentar retratar um momento ou sentimento específico, apenas sinto, escuto e respeito o chamado do meu coração, quando sinto vontade de me pintar. Acredito que, dessa forma, a pintura que faço hoje permanece em território criativo livre sem a necessidade e a preocupação de buscar referências dos antigos povos que se pintavam como os indígenas, africanos ou hindus. Porque toda essa ancestralidade vive em nós, mas muito dela se perdeu (pinturas corporais, antes de tudo, apagadas e sobrepostas com as roupas dos homens brancos). Hoje a pintura já ocupa um lugar de ritual em minha vida, um verdadeiro e belíssimo traje, carregando símbolos, forças e invocações ancestrais.




DESENHO REGISTRO IRMÃOS DA MATA






CAMINHADA NA MATA
|26.07.2019|
|Oferenda artística para Oxóssi, caboclo da mata, caminhada meditativa realizada na
madrugada na comunidade Vila Progresso, com Dig Ferreira e Rodrigo Abreu|



Urucum derramado sobre a mesa no dia da noite sem lua. Noite escura.
Profunda. Sombria. Energias humanas confusas. Muita coisa. O medo me
assolando, fazendo desequilibrar inteira. Passado de coisas passadas a voltar.
Insegura, coitada. Pensa na roupa do dia seguinte, no traje, acessórios, costuras.
Insegura, boba. A natureza não ataca por nada. Não é covarde a natureza, é sábia
e justa. Medo humano trava, medo bicho liberta.
Me olha nos olhos e diz:
- Preciso sair. Bota uma roupa que te proteja e vem comigo.
Assim foi feito. Atrapalhado, corrido, confuso, sem jeito. Mas feito sem titubear.
Parades na porta da casa das bruxas, casa delas mesmas, conectaram as forças.
Ela na frente, Oxóssi da Mata, flauta na mão. Eu atrás, a cambonar. Som da flauta
mágica. Oriente indígena era o som que saia.
Daí vem o caminhante, inseguro ao passar. Erramos o caminho e voltamos a nos
encontrar na escuridão da noite escura, rumo ao bosque da escola entristecida.
- Pq você veio de bota?
Pergunta o caboclo caminhante numa sedução possuidora. Invento uma história
para disfarçar nossa cruzada mística. Ganho de presente uma bagana para
alumiar as idéias, abrir as portas, deixar revirar.
- Não gosto de fumar sozinho.
E assim ele se esvaia, em sombras escuras das pontes suspensas. Rumo ao lado
de lá. NÃO TEMA. A natureza é justa, não ataca à toa.
Chegamos ao nosso destino. A oca ressoa bruta com a luz burra que aponto
certeira para o centro da roda. Legiões de morcegos a nos expulsar. A mata
silencia atenta. Apagam-se as lanternas. O som da flauta, num lamento de morte
felina. O som da mata, envolvido pela música, volta a ressoar. Tudo ecoa em
harmonia primitiva. Sons vindos de todo lugar. De costas, uma para outra, nós, as
irmãs da mata, vemos duas histórias desenrolar.
O céu é enorme. O medo, nada.
Holofotes foscos na escuridão, vagalumes começam a se apresentar. Fadas,
encantados, coisas lindas. Energia transmutada. Caboclo da Mata. Começo eu a
guiar a volta. Ela a cambonar.
Fumamos juntas a oferenda. Abrimos o portal. A morte é nossa companheira.
Saberei depois que é a morte, calma e lenta, como a beirada aonde o rio vem se
recostar. Salubá!





DESENHO REGISTRO


Comunidade Buritizal







Foto: Thales Lima












O desenho registro é uma mistura de técnicas de desenho de observação com a liberdade de sentimentos experimentados no momento do registro. Deixando as formas aparecerem no papel sem o reflexo da preocupação, medo, expectativas e condicionamentos da mente que interferem no ato de desenhar, o desenho registro é um exercício constante do não julgamento sobre o próprio trabalho, o que é certo ou errado ou o que é belo e não belo. O foco está em fazer sentindo, observar e se auto observar no ato de desenhar. Os registros se tornam grandes quebra-cabeças cheios de sentimentos e elementos escondidos pelo nosso consciente, mas revelados pelo inconsciente no ato de desenhar. Cada registro se torna único, sendo impossível ser reproduzido de novo da mesma maneira, porque na próxima ilustração os sentimentos e formas já não são mais os mesmos. O trabalho é um grande presente para quem se interessa pela linguagem secreta das imagens. E justamente por isso, o desenho registro tem sido requisitado para eternizar momentos importantes como casamentos, aniversários, festas infantis, nascimentos e shows, por exemplo.

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